sábado, 14 de maio de 2011

O HUMORISTA CARLOS ESTÊVÃO


                                            Ficheiro:Carlos Estêvão.jpg

Quando cheguei ao Rio de Janeiro, no ano de 1956, entre minhas várias atividades, fui contratado como redator de uma revista social, a Rio Magazine de propriedade de Alfredo Thomé, casado com Jacira Thomé, mãe de Márcio Braga, ex-presidente do Flamengo.
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A equipe da Rio Magazine era formada pelo diretor, Alfredo Thomé, uma secretária, um redator, dois auxiliares e por Carlos Estêvão que era o diagramador da revista. Vários colaboradores escreviam para a revista, entre eles, os conhecidos colunistas sociais, Ibrahim Sued e Jeff Thomas. Garcia, era um senhor espanhol, encarregado da publicidade da revista.

Carlos Estêvão trabalhava para a revista o Cruzeiro onde tinha uma página de humor e fazia uma charge diária para o Jornal,O dr. Macarra. Quando o humorista Péricles morreu, passou a fazer o Amigo da Onça, também para O Cruzeiro. Ele centralizava suas atividades no escritório da revista Rio Magazine que ficava no centro da cidade, na Rua Senador Dantas, e ali fazia todos os seus trabalhos. Era um trabalhador incansável.

Carlos Estêvão era um exímio desenhista e criava piadas geniais. Um dia, publicou na revista O Cruzeiro uma charge em que um homem grandão desfilava pela rua com o corpo todo formado por letras. Outro boneco observa-o espantado e exclama: finalmente, conheci um homem de letras. O autor da charge recebeu um telegrama de congratulações da Academia Brasileira de Letras.

Um dia, Alfredo Thomé falava ao telefone e, em certo momento disse para o interlocutor: estou aqui na minha tenda árabe de trabalho. Carlos Estêvão ouviu a frase, correu para a prancheta e, em poucos segundos, desenhou uma tenda no deserto com um camelo na entrada e, dentro da tenda o desenho de Alfredo Thomé vestido de beduíno, fumando o tradicional cachimbo árabe, o narguilé, do qual tirava baforadas. Quando Thomé acabou de falar ao telefone, ele colocou o desenho em sua mesa e falou: eis a sua tenda árabe de trabalho.

Em certa ocasião, apareceu num jornal a foto de Juscelino com a testa franzida e um olhar inexpressivo, lembrando a figura de O Magro, do cinema. Estêvão recortou a foto, desenhou na cabeça aquele chapéu característico do comediante, colocou ao lado uma foto do Gordo e passou a mostrar a montagem para as pessoas, perguntando quem eram os personagens. Todo mundo dizia: ora, são o Gordo e o Magro. Ele falava: observem bem e quando identificavam a foto de Juscelino, caiam na gargalhada.

Um dia, o colunista Jeff Thomas apareceu na redação com sua coluna mensal, só que trouxe o texto manuscrito com uma letra às vezes indecifrável. Pediu à secretária Helena para datilografá-lo, pois não tivera tempo. Helena encontrou dificuldade para decifrar os garranchos do colunista e pediu socorro a Carlos Estevão que passou a ditar o texto para a secretária. Em determinado trecho o colunista falava que Israel Klabin, figura importante da alta sociedade carioca, tinha oferecido um party (festa) em sua residência para comemorar seu aniversário. Carlos Estêvão não entendeu bem a palavra ou quis pregar uma peça ao colunista e ditou, mais ou menos nestes termos: para comemorar seu aniversário, Israel Klabin ofereceu ao high society carioca, em sua residência, um porre monumental. Quando saiu a publicação, Alfredo Thomé teve que enfrentar a ira de Israel Klabin. Pediu mil desculpas e disse que na edição seguinte iria corrigir o erro, evitando assim um rumoroso processo. Quando Jeff Thomas veio à redação com sua nova coluna, foi literalmente escorraçado pelo irado editor e nunca mais escreveu para a revista. E os dois jamais descobriram que o autor da façanha tinha sido o Carlos Estêvão.

O humorista também gostava de pregar peças àquelas pessoas com quem tinha alguma diferença. Mantinha discussões acaloradas com o espanhol Garcia sobre vários assuntos e, em certa ocasião, foi à desforra, telefonando de fora do escritório (disfarçando a voz), para solicitar a presença do corretor de publicidade da revista em determinado endereço na zona sul do Rio de Janeiro, para negociar a compra de algumas páginas de publicidade na Rio Magazine. Lá foi eufórico o nosso Garcia e no endereço indicado ninguém sabia de nada. Ele voltou desolado para a redação, enquanto Estêvão, às escondidas, dava gargalhadas.

Carlos Estêvão era uma pessoa alegre e expansiva e tudo para ele era motivo de piada. Um dia, saímos do escritório, no final do expediente, quando caiu uma chuva muito forte com muitos raios e trovões. Tentamos nos proteger num abrigo para ônibus que existia no Largo da Carioca, mas não tinha lugar para mais ninguém.
- Espere aí que vou arrumar lugar para nos abrigarmos – disse-me.
Então, se colocou em frente ao abrigo, ergueu os braços para o alto e clamou: raios, caiam sobre mim e me mandem para o inferno, pois sou um grande pecador.  Algumas pessoas riram, mas outras, temerosas, se afastaram, abrindo, espaço para nos abrigarmos.

Em outra oportunidade, caminhávamos, ele e eu, pela rua Evaristo da Veiga, onde tinha um quartel da PM. Ele parou bem em frente ao soldado que estava de sentinela, olhou para mim e disse:
- Sabe por que esses caras usam esse capacete em forma de penico?
- Nem imagino.
- Ora – respondeu-, porque só têm merda na cabeça.

Também criou para a Revista O Cruzeiro a charge do deputado nepotista, cuja família era muito grande e todos estavam atrás de emprego público. O dito deputado, não suportando mais a pressão familiar, tomou uma decisão: apresentou no congresso nacional um projeto de criação do Ministério de Combate ao Empreguismo. Ao saber do fato, a família protestou com veemência, pois eles ainda tinham muitos candidatos a cargos públicos. Resposta do deputado:
- Ora, o novo ministério vai precisar de muitos servidores e, se aprovado, vou colocar todos vocês lá dentro. Podem ficar tranquilos. Sei o que estou fazendo.

Carlos Estêvão (1921-1972), natural de Pernambuco, era casado com Neuza, também daquele estado, com quem teve três filhos. Quando se separaram, casou com Helena, a secretária da revista Rio Magazine. O casal teve uma filha. Mudou-se para Belo Horizonte de onde mandava suas colaborações para a revista O Cruzeiro e para outras publicações. Faleceu na capital mineira em 14 de julho de 1972, com apenas 51 anos de idade, deixando um dos maiores acervos da caricatura brasileira. Seu humor é o retrato de uma época.























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Um comentário:

  1. A irreverência e o traço de Carlos Estevão, são o que de melhor existe no humor brasileiro impresso do século passado.

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